segunda-feira, janeiro 15, 2007

degrado-ser

Tudo na vida de Eufrásia parecia acontecer da maneira que ela sempre quis. Era uma mulher bonita, de inteligência aguçada e gosto apurado, sabia como cativar afetos e tinha poucos, mas bons amigos. A profissão que a escolheu era uma profissão que muitos invejavam, outros odiavam e outros tantos admiravam ou não davam a mínima bola.
A profissão...bom,não importa qual era a profissão, o que importa é que Eufrásia sabia fazer muito bem o que fazia e no seu meio era admirada. Era daquelas pessoas que têm o tipo de vida que todos nós secretamente gostaríamos de ter: uma vida de viagens, loucuras, paixões, liberdades, qualidades peculiares, sem muitas papas na língua e uma certa dose de irresponsabilidade.
Ela acreditava ter poderes, mas não super poderes como os das Meninas Super-Poderosas, mas poderes advindos da alma e da sua mente que simplesmente não parava um minuto sequer de pensar. Na verdade, ela possuía um único poder: o de ficar invisível quando bem entendesse. Esse poder ela aprendeu com um mais-que-amigo em uma viagem que fizeram juntos à praia, ele a ensinou: faz assim ó com o dedo indicador, depois tu dobra o polegar assim e cruza por cima deste aqui e... pronto! Ele só a ensinou com a promessa de que ela não ensinaria a mais ninguém, e de fato a promessa está mantida até hoje. Eufrásia adora ficar invisível quando vai ao salão de beleza fazer as unhas (só a manicura a pode ver), quando está em algum restaurante lotado ou quando não está a fim de papo, se bem que ultimamente ela não tem usado o truque. Anda enfrentando todas as situações, talvez por isso que esteja sentindo dores no peito e tonturas constantes. Quando ficava invisível com mais freqüência, tudo parecia mais fácil.
Era uma tarde morna quando Eufrásia levantou e ligou o rádio. O silêncio estava gritante tentando mostrar um vazio que ela fingia não ver e a noite começava a dar sinal de vida, ela sentiu vontade de sair, pegar o carro e ir para longe, talvez dar uma caminhada, sentiu vontade de estar na praia e molhar os pés na água, mas lembrou que tinha um jantar sem muita importância combinado e precisava se arrumar. Ultimamente a maioria de seus atos lhe dava a impressão de estar no piloto automático, estava levando uma vida mais calma do que a que sempre levara, mas ao mesmo tempo não sabia se isso estava sendo bom ou ruim, não tinha a certeza de estar gostando e em muitos momentos sentia-se tentada a fazer as malas e partir. Para onde? Não importava muito na hora, sabia que por meio da sua profissão poderia ir para qualquer bom lugar. Eufrásia era complicadíssima, além de todos os questionamentos naturais à alma feminina, ela parecia ter mais o dobro elevado ao quadrado na centésima potência...sem saber se existia tal equação! No fundo no fundo suas complicações eram contornáveis, mas muitas vezes ela parecia esquecer disto e sua complexidade lhe tomava completamente os sentidos, seu sexto duplo sentido lhe agarrava a alma e nem rodelas de batas brancas lhe arrancavam a enorme dor de cabeça que tudo isto causava. Andava cansada, queria mudar um pouco, desde atitudes até de marido quem sabe, talvez virar mulher do lar mesmo sabendo que não teria o dom, deleciar-se com um cabo de vassoura varrendo a poeira de suas horas de solidão...não, mudava logo de idéia, mas sua intuição felina sabia que mesmo que não mudasse hoje, a mudança já estava a caminho. Então se sentou a esperar. Na hora do jantar, o tédio havia se ido, o papo fluía animado após a segunda garrafa de vinho e com sua personalidade de ostra ela mais obervava do que participava do encontro e das conversas. Era só quando estava sozinha que Eufrásia sentia o vazio asfixiante que pairava sobre a crise não-verbalizada na relação entre ela e Marcelo; e por vezes sentia uma ponta de inveja da vida amorosa interessante que alguns dos seus casais de amigos levavam. Ela sempre fora uma mulher pertubadoramente livre, mesmo nos anos de namoro e até após o casamento, mas de uns tempos pra cá se sentia aprisionada dentro de uma gaiola, feita com as próprias mãos. À sua frente estava Marcelo, o amor de sua vida por anos e anos, seu companheiro de estradas, problemas, sexo bom e chimarrão. Em sua mente, seu presente era interrompido por Marco Antonio, uma pessoa que era um misto de sexualidade à flor da pele, mistério, doçura e paixão. Eram duas peças que se encaixavam nela de forma diferente. Já estava amanhecendo e ela não havia pregado o olho, algo lhe atravessava os olhos e a garganta e o tranquilo cantarolar dos pássaros não fazia jus ao seu inquietamento interno. Pensava, pensava, pensava e seus pensamentos revolucionárias estavam escassos e por mais que viajasse neles, não seria um deles que lhe salvaria de tomar uma decisão. Coisa doida a vida que havia lhe metido numa encruzilhada, por diversos momentos todos os dias pensava estar um uma cama giratória e sentia vontade de vomitar; vomitar o cérebro, talvez o coração ou até um tsunami. Entre anseios e vontade e desejos e maldades, Eufrásia bebericava goles de Moet Chandon e ria e cantava e dançava paranoicamente. A moça que antes julgava ter o controle de tudo acabava de perder controle sobre si mesma, tudo tinha virado uma suruba de uma pessoa só e de tão cansada de seus pensamentos demasiadamente pensantes ela adormeceu; e sonhou com revoluções e festas revolucionárias com semideuses e personagens atenienses lhes lambendo o pescoço e a pegando pela cintura e o sangue escorrendo de sua cabeça.Depois disso era queda livre, Eufrásia foi ao médico e descobriu que estava sofrendo de vida e de amor e seus dias não seriam mais os mesmos.Ela tinha muito amor guardado derretendo lençóis, não equalizava com a vida a sua intensidade, parecia para muitos uma maluca de olhar penetrante, mas bem lá no fundo Eufrásia fervia e ebulia sonhos, incertezas, certezas e possibilidades; sabia que tudo o que lhe acontecia simplesmente fazia parte de sua existência, e aceitava essa dor de querer ir e ficar, de querer amar e apaixonar todos os dias, de querer a verdade em sua vida para manter a própria sanidade e uma certa felicidade.
Dia claro, Eufrásia levantou e foi tomar banho. Pelos barulhos matinais percebeu que o dia engrenou, e ela tem plena consciência disso, mas dentro dela alguma coisa mudou, remexeu, recheou e está pulsando. Pensa que talvez a vida tenha que ser vivida aos poucos e que sua intensidade um dia há de deixar-lhe em paz. Ou não. Pensa também que nada é tão poético, que o que estava lhe pulsando por dentro era a vida, e que ela é agora, e que precisava injetar nela todos os sentidos. Queria ser feliz.

3 comentários:

www.nadialopes.blogger.com.br disse...

Lembrei de Fernando Pessoa: os Deuses são Deuses por que não se pensam...ás vezes, é preciso boiar um pouco, não se levar a sério, ser como os girinos que brincam satisfeitos em poças d'agua do Nietzsche...não existe controle possível, não existe mais do que hoje e a vida é tão banal e frágil, que só existe AGORA! Passou...pronto,pronto passou..é assim, uma piscada e um deixar de piscar, o resto, ah o resto é querer ser Deus, é querer dar respostas e continuar abrindo e fechando os olhos, como se de nós dependesse essa decisão...bobagem, um dia, sem mais, os olhos não abrem...e tudo que se pensou e planejou, passam ao terreno da ficção...hoje estou girino, brincando em poça d'agua, ignoro o sol, gosto dessa sensação bem plena e fim...O melhor lugar do mundo é aqui e agora!

Anônimo disse...

Oh Tufrásia!!!!!!
Mulher tão atraente e tão pouco amada!!!!!!!
É um desperdício!!!!
Merecia ser feliz!!!!!!

Om-Lumen disse...

Menina que ama os felinos :-)

Um dia Eufrásia em luz piramidal, além do emocional, mental, e intuicional baterá à porta onde o puro silêncio é e voará num planalto de Luz Branca...

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